Sua trajetória é uma aula de como se mover com ética e firmeza em terrenos movediços, e seu impacto permanecerá como uma inspiração para lideranças futuras, especialmente para as mulheres que enfrentam a dureza do cenário político brasileiro. Izolda Cela é a personificação de que, no Ceará e no Brasil, a grandeza muitas vezes fala baixo

Capítulo 1: "O que é que pode fazer o homem comum senão sangrar?"
“Além das imagens de surpreendente beleza de um artista tão pouco conhecido no Sudeste, o que nos proporciona é uma janela para o Ceará. Certamente está na obra de Raimundo Cela a melhor tradução pictórica dessa paisagem nordestina.” Assim escreveu a Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa, Isabel Lustosa, sobre Raimundo Cela, pintor modernista cearense e professor da Escola Nacional de Belas Artes.
Caro leitor, puxe uma cadeira pois trago notícias: a Semana de Arte Moderna de 1922, exaltada como marco fundador da modernidade artística no Brasil, pode não ser tudo o que te fizeram acreditar. É preciso reconhecer que seu impacto imediato foi limitado, restrito a um grupo de intelectuais paulistas e amplificado apenas décadas depois. Enquanto celebramos esse evento, movimentos regionais foram negligenciados, soterrados por uma narrativa que privilegia um suposto "ato fundador" da cultura nacional. Talvez seja hora de reavaliarmos essa história e darmos voz ao que também foi silenciado.
Izolda Cela exemplifica essa força silenciosa que emerge do Nordeste. Sem fazer parte de uma dinastia política, Izolda passou de uma projeção estadual como secretária de Educação a um nome de destaque em todo o Brasil — sem pedir licença ou buscar validação do Sudeste. Desde que foi cogitada para o Ministério da Educação, em dezembro de 2022, enfrentou críticas que muitas vezes beiraram o absurdo. Ainda assim, manteve-se serena, evitando confrontos e mantendo o foco em seu trabalho. Assim como seu tio-avô Raimundo Cela traduziu a essência do Nordeste em suas telas, a trajetória política de Izolda foi marcada pela resiliência e pela capacidade de abrir caminhos com discrição, mas com inegável determinação.
A primeira governadora do Ceará, Izolda Cela, é educadora e psicóloga de formação. Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), atuava como diretora de escolas em Sobral, terra dos Ferreira Gomes, quando presenciou a queda da família Accioly e a ascensão de Tasso Jereissati, inaugurando uma era de modernização política e estruturação de políticas públicas estaduais. Em 2001, tornou-se Secretária de Educação da cidade na gestão de Cid Gomes, que substituiu seu irmão Ivo no cargo. O vínculo entre os três se fortaleceu e Cid reconheceu o sucesso do programa de alfabetização de Sobral, expandindo-o para o estado ao nomear Izolda como Secretária de Educação do Ceará em 2007. Nesse cargo, ela implementou o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), que transformou o Ceará em um modelo de gestão educacional no Brasil. A ideia originada em Sobral foi fundamental para a criação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) em 2013, pelo então ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
Sua primeira candidatura a um cargo eletivo aconteceu em 2014, quando Izolda deixou a SEDUC para concorrer como vice (PROS) na chapa com Camilo Santana (PT) ao governo do estado. No ano seguinte, ela se tornou a primeira vice-governadora do Ceará e, já em 2018, filiada ao PDT sob influência dos irmãos Ferreira Gomes, assumiu novamente a vice-governança do estado até a saída de Camilo para disputar o Senado.
Em 2022, Izolda se tornou a primeira governadora do Ceará e, em virtude de sua alta popularidade, avaliação positiva e perfil político pacífico, a reeleição era dada como certa. Na época, surgiram rumores sobre uma chapa feminina com a então governadora e Luizianne Lins para as eleições de 2022, mas o protagonismo feminino em um estado onde mulheres figuram apenas como vice seria uma mudança disruptiva demais para o PT de Camilo e o PDT de Ciro.
Capítulo 2: "Olho de frente a cara do presente e sei que vou ouvir a mesma história porca"
Às vésperas da plenária pedetista que definiria o candidato ao governo do Ceará, rumores de que Ciro Gomes teria mudado de ideia sobre a escolha de Izolda Cela não foram confirmados. O político Veveu Arruda, esposo de Izolda, minimizou os boatos, chamando atenção para a urbanidade de Ciro e desacreditando a possibilidade de traição. Apesar disso, a tensão era palpável nos bastidores. Izolda, conhecida por seu perfil reservado e foco na gestão, tinha a expectativa de que sua experiência como governadora interina fosse suficiente para consolidar sua candidatura dentro do partido. O clima, no entanto, estava longe de ser tranquilo.
Na tarde de 18 de julho de 2022, o desfecho desse embate político revelou o contrário. Durante o anúncio oficial na sede do PDT em Fortaleza, o espaço foi tomado por uma claque estrategicamente organizada para entoar o nome de Roberto Cláudio, ex-prefeito da cidade. Fogos de artifício explodiam no céu, criando um espetáculo visual e sonoro que contrastava com o ambiente interno, onde as negociações estavam em curso. Para muitos, era um teatro cuidadosamente planejado para simbolizar a vitória de Roberto antes mesmo da votação oficial.
O histrionismo daquele golpe planejado por Ciro Gomes foi especialmente ferino, considerando o perfil tímido e discreto de Izolda, pouco habituada aos movimentos rasteiros próprios da política, muito menos ao estilo subterrâneo de Ciro. A governadora, que até então contava com apoio razoável dentro e fora do partido, viu sua candidatura desmoronar diante dessa manobra.
A ruptura tornou-se ainda mais visível quando Cid Gomes, irmão de Ciro, recusou-se a apoiar Roberto Cláudio. Em um gesto inesperado, ele manteve fidelidade a Izolda, aprofundando as divisões internas do grupo político dos Ferreira Gomes. Esse episódio não só enfraqueceu o alinhamento entre os irmãos Ciro e Cid, mas também marcou o início de uma série de mudanças significativas no cenário político do Ceará.
Sem filiação partidária por dois anos, Izolda não pode ser nomeada ministra da Educação, embora seu nome tenha sido cogitado ainda em dezembro de 2022. Desde então, sua indicação enfrentou fortes resistências, sobretudo do PSOL e de setores sudestinos do PT, que questionavam suas conexões com a Fundação Lemann. Essa relação, conhecida, foi usada para alimentar uma narrativa que, com o tempo, cresceu de forma desproporcional. Sustentava-se a tese de que os números da educação cearense eram manipulados e que Izolda Cela e Camilo Santana seriam agentes intermediários do capital com o objetivo de privatizar a gestão educacional, permitindo o direcionamento de recursos para entidades privadas. Essa tese, por si só, não é absurda nem inverossímil, considerando que o setor da educação é estratégico, tanto pela capacidade impactar profundamente corações e mentes, quanto pela administração de enormes volumes de recursos. A farra das escolas cívico-militares no governo anterior, por exemplo, escancara como projetos educacionais podem ser usados para atender a interesses obscuros.
No entanto, o que começou como uma crítica legítima e uma preocupação que deveria unir toda a esquerda, degenerou em uma sequência de ataques racistas. Em vez de discussões sobre o modelo educacional ou seus resultados, a capacidade intelectual de toda uma região foi posta em dúvida por meia dúzia de "especialistas em educação" no Youtube movidos, em grande parte, pelo ressentimento. A análise crítica cedeu espaço a uma narrativa discriminatória, alimentada por preconceitos regionais e de gênero.
E aí, caro leitor, peço que você se sente novamente. Esse ódio por Izolda, Camilo, Sobral e pela educação no Nordeste — que só é celebrado quando serve para memes ou firulas que buscam provocar o orgulho bolsonarista — é uma realidade que existe apenas nas transmissões de YouTube. Na vida real, embora as críticas às relações com a Fundação Lemann sejam legítimas e devam ser debatidas, as cores são menos carregadas. Fora do sensacionalismo digital e da disputa entre partidos, o racismo que permeia essas narrativas perde espaço para uma análise mais equilibrada, que reconhece os méritos e os desafios do modelo educacional cearense e sua importância para o Brasil.
Apesar do cenário de tensões e ataques, Izolda optou por não reagir publicamente e aceitou a posição de número dois no Ministério, retomando sua parceria com Camilo e contribuindo para a formulação de políticas educacionais em um ambiente polarizado.
Por anos, Ciro Gomes apropriou-se dos avanços na educação cearense, apresentando-os como frutos exclusivos de sua liderança. Com isso, Izolda permaneceu nas sombras, sendo vista, em 2022, como uma figura “desconhecida” ao surgir como possível ministra da Educação. No entanto, seu papel como peça central das conquistas educacionais do Ceará foi viabilizado pelo suporte político e institucional de Cid e Ivo Gomes, enquanto Camilo Santana foi responsável por projetá-la nacionalmente.
Izolda, conhecida como uma das figuras mais tímidas e discretas da política cearense, desenvolveu uma relação genuína com Camilo Santana, que, mesmo rompendo com Ciro Gomes, nunca rompeu completamente com os irmãos Ivo e Cid. Esse equilíbrio consolidou uma transição entre a parcela pragmática do cirismo e o projeto renovador representado pelo camilismo. Em fevereiro de 2024, Cid oficializou sua filiação ao PSB, e Izolda o seguiu, marcando uma nova fase em suas trajetórias políticas.
No mesmo ano, Izolda se candidatou à prefeitura de Sobral, buscando substituir Ivo Gomes. Porém, enfrentou o ressentimento acumulado contra Ciro Gomes e as reações negativas às medidas impopulares de Ivo, o que resultou em sua derrota. Apesar disso, Izolda aceitou o revés com a dignidade que sempre marcou sua trajetória. A derrota em Sobral, berço político e laboratório das políticas públicas dos Ferreira Gomes, simbolizou o fim do ciclo do cirismo. Em Sobral nasceu, em Sobral morreu.
Capítulo 3: "Eu não sou do lugar dos esquecidos. Não sou da nação dos condenados. Não sou do sertão dos ofendidos"
Após a derrota em Sobral, Izolda Cela passou a ser cotada para uma possível indicação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Segundo apuração do jornalista Érico Firmo, a ex-governadora teria solicitado diretamente a Camilo Santana e ao governador Elmano de Freitas (PT) sua nomeação, algo incomum para alguém com sua conhecida discrição. Apesar de ser vista como uma escolha técnica e uma figura de consenso, a vaga foi destinada a Onélia Santana, secretária da Proteção Social e esposa de Camilo Santana.
A exclusão de Izolda gerou desconforto entre setores da política local. Para muitos, a decisão simbolizou mais uma traição política em sua trajetória, um padrão que parece se repetir nos momentos mais cruciais de sua carreira. A situação reforçou a impressão de que Izolda, mesmo com uma história marcada por competência e lealdade, segue sendo preterida em nome de alianças familiares, como ocorreu no episódio do movimento golpista que a atingiu no PDT.
Izolda demonstrou a força de seu espírito ao recusar publicamente o convite para retornar ao Ministério da Educação, mesmo em posição de destaque. Essa atitude, interpretada como um sinal de mágoa, também revelou sua firmeza em não aceitar um "prêmio de consolação" que pudesse minimizar as cicatrizes de sua trajetória. Ao rejeitar o simbolismo vazio, Izolda reafirmou sua independência e sua dignidade, optando por trilhar um caminho que não depende de concessões oportunistas.
Essa postura reflete uma força interior que se mantém intacta, mesmo diante de sucessivas decepções políticas. Izolda decidiu buscar um retorno às suas origens, reassumindo o papel de professora na Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), onde sua história na educação começou. Ali, longe dos holofotes da política, ela encontrou um espaço para retribuir à sociedade cearense de outra maneira: inspirando diretamente novas gerações de educadores. A educadora fez uma escolha deliberada de reencontrar sentido em sua atuação, reafirmando que sua força, assim como a de Raimundo Cela em suas pinturas, reside não em títulos ou rótulos, mas na essência e no impacto de sua obra.
Capítulo 4: "Você sabe bem: conheço o meu lugar!"
Reassumir o papel de professora, agora com a bagagem acumulada em anos de liderança política e administrativa, representou não apenas um retorno às origens, mas também uma escolha estratégica. Na sala de aula, Izolda encontrou um espaço de diálogo direto, onde pode compartilhar suas experiências e inspirar uma nova geração de educadores. Para a ex-governadora, esse reencontro com a academia não foi apenas um movimento simbólico, mas também uma reafirmação de seu compromisso com a educação como ferramenta de transformação social.
Essa decisão reforça a característica que sempre marcou sua carreira: a busca por transformar a educação como ferramenta de emancipação social. Longe de ser um movimento de renúncia, o retorno à academia revela um compromisso contínuo com a formação de base, mesmo após ocupar os mais altos cargos políticos no estado do Ceará.
Ao se afastar do protagonismo político direto, Izolda Cela encerra mais um ciclo de sua trajetória com a dignidade e a serenidade que sempre marcaram sua atuação. Em um estado onde a emoção pública é um privilégio masculino e as mulheres enfrentam expectativas rígidas de comportamento, a humanização de líderes femininas como Izolda, moldadas com a mesma dureza do quartzo de Quixeramobim, muitas vezes ocorre sob a pressão da violência política. Ainda assim, sua influência permanece viva, especialmente entre lideranças que a veem como um exemplo de ética e equilíbrio político. Em meio à polarização entre camilismo e cirismo, que ainda deixa marcas profundas no cenário cearense, Izolda segue admirada por aliados e respeitada até mesmo por antigos adversários, consolidando-se como um raro ponto de equilíbrio.
Os impactos das críticas e das emboscadas são desconhecidos no espírito da educadora. O que se sabe é que Izolda não oferece satisfações a seus adversários. Sua força está em manter-se acima das disputas vazias, desafiando a ideia de que o mundo político deve girar em torno de São Paulo ou dos satélites que orbitam ao redor de Camilo Santana e dos Ferreira Gomes.
Como Raimundo Cela, que dedicou sua obra a traduzir a essência do Nordeste com profundidade e sem concessões ao olhar colonial dos modernistas de São Paulo, Izolda teve a oportunidade de desenhar sua própria trajetória, com o mesmo cuidado e propósito, assumindo o fim de sua vida política com a convicção de quem construiu um legado. Tal como os traços firmes do pintor que contava a história dos cearenses mais simples em suas telas, Izolda reafirma que a grandeza do Ceará não precisa de aprovação externa para se afirmar.
Komen