A extrema direita veste saias: As mulheres no comando do ultraconservadorismo global (parte 1)
- Paola Jochimsen
- 12 de mar.
- 10 min de leitura
Nos últimos anos, a extrema direita viu o crescimento de lideranças femininas em sua estrutura de poder. Se antes o ultraconservadorismo era dominado exclusivamente por homens, hoje mulheres desempenham um papel crucial na disseminação de discursos nacionalistas, xenófobos, antifeministas e autoritários. O fenômeno, no entanto, não significa um avanço da igualdade de gênero dentro da extrema direita. Pelo contrário: essas mulheres operam dentro de um sistema que ainda privilegia os homens e que lhes dá espaço apenas quando isso é estratégico para o movimento.

No Brasil, figuras como a senadora Damares Alves, as deputadas Carla Zambelli, Bia Kicis e Júlia Zanatta desempenham papéis centrais no ultraconservadorismo, promovendo pautas antifeministas e armamentistas, além de atacar políticas de igualdade de gênero. Essas mulheres cumprem um papel essencial na legitimação do discurso extremista, ajudando a ampliar sua base de apoio e a “suavizar” a imagem do autoritarismo. No entanto, assim como suas contrapartes internacionais, operam dentro de um campo historicamente machista, enfrentando seus próprios dilemas e contradições.
O que todas essas líderes têm em comum? Como operam dentro de um campo historicamente machista? E qual o impacto de sua atuação na política global? Para entender essas questões, é fundamental analisar os perfis de algumas das figuras femininas mais proeminentes da extrema direita atual e as contradições que permeiam suas trajetórias.
Mulheres no extremismo: do nazismo à extrema direita contemporânea
O papel das mulheres dentro de movimentos extremistas sempre esteve cercado de contradições. No nazismo, por exemplo, a visão sobre as mulheres era ambígua: elas eram exaltadas como guardiãs da cultura e da pureza racial, mas também subordinadas ao ideal de maternidade e domesticidade. O regime de Adolf Hitler incentivava políticas natalistas e reforçava a ideia de que o dever feminino era servir à pátria por meio da reprodução e da criação de filhos arianos. Ao mesmo tempo, algumas mulheres desempenharam funções políticas, administrativas e até mesmo de repressão dentro do Terceiro Reich, como foi o caso de figuras como Leni Riefenstahl, cineasta propagandista do regime, Ilse Kochconhecida como a “A Cadela de Buchenwald”. Ela era esposa de Karl-Otto Koch, comandante do campo de concentração de Buchenwald, e ficou famosa por sua crueldade extrema contra prisioneiros, além de supostamente colecionar objetos feitos com pele humana tatuada e Irma Grese, a “Besta de Belsen”, que trabalhou nos campos de Auschwitz e Bergen-Belsen e foi condenada por crimes de guerra após a Segunda Guerra Mundial.
Essa contradição também se manifestou em outros regimes extremistas e movimentos ultraconservadores ao longo do século XX e XXI. No franquismo espanhol e no fascismo italiano, mulheres eram promovidas como símbolos de um ideal patriótico, mas sua participação na vida pública era limitada a funções complementares ao domínio masculino. Nas ditaduras militares da América Latina, como as de Pinochet no Chile, Videla na Argentina e Stroessner no Paraguai, as mulheres foram exaltadas como pilares da família e da moral nacional, mas ao mesmo tempo excluídas da vida política e usadas para reforçar a ordem patriarcal e autoritária desses regimes
Na extrema direita contemporânea, o padrão se repete. Líderes como Marine Le Pen, Giorgia Meloni e Alice Weidel são promovidas como exemplos de “mulheres fortes”, mas suas próprias agendas políticas negam direitos femininos conquistados historicamente. Elas rejeitam políticas feministas ao mesmo tempo em que se beneficiam do espaço que as lutas feministas abriram para sua ascensão. Assim como no nazismo e em outros movimentos ultraconservadores, a extrema direita global utiliza mulheres estrategicamente: elas servem para atrair eleitoras, amenizar a imagem do autoritarismo e reforçar discursos de moralidade e segurança pública – mas sem jamais desafiar a estrutura patriarcal que sustenta esses movimentos.
A grande questão que permanece é: até que ponto essas mulheres realmente exercem poder dentro dessas organizações e quando se tornam descartáveis? O nazismo, por exemplo, utilizou mulheres para fortalecer sua ideologia, mas nunca lhes deu controle efetivo sobre o Estado. O mesmo pode acontecer com as líderes da extrema direita atual: enquanto forem úteis ao projeto ultraconservador, terão espaço. Mas se desafiarem o papel que lhes foi designado, podem ser rapidamente eliminadas do jogo político.
As principais mulheres da extrema direita no mundo
Embora a extrema direita tenha sido historicamente dominada por lideranças masculinas, nos últimos anos algumas mulheres passaram a ocupar posições de destaque dentro desse espectro político. Algumas delas herdaram o legado de figuras masculinas influentes, enquanto outras se consolidaram como articuladoras estratégicas de pautas ultraconservadoras. Ao ocuparem espaços de liderança, vendem a ilusão de que qualquer mulher pode chegar ao poder por mérito próprio, ocultando que sua ascensão foi viabilizada por estruturas masculinas dentro da extrema direita. Ao mesmo tempo em que defendem um modelo rígido de família e hierarquia social, ocupam espaços antes negados às mulheres, desafiando na prática os próprios dogmas que pregam. A seguir, uma análise das principais líderes da extrema direita global e do impacto de suas ações na política contemporânea.
Alice Weidel (Alemanha)
Co-líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel se tornou uma das figuras mais influentes da extrema direita alemã. Com um discurso ultranacionalista, neoliberal e abertamente anti-imigração, ela ajudou a consolidar o AfD como uma força política relevante. Sua ascensão ao topo do partido reflete a estratégia da extrema direita alemã de se tornar mais “respeitável”, afastando-se da imagem neonazista explícita de suas primeiras formações. Uma de suas maiores contradições está no fato de ser lésbica e viver com uma mulher de origem estrangeira, enquanto lidera um partido que combate políticas pró-LGBTQIA+ e defende medidas anti-imigração. Essa dualidade é um reflexo da narrativa da extrema direita contemporânea: ao se apresentar como “autossuficiente” e “bem-sucedida sem precisar de políticas identitárias”, Weidel reforça o discurso de que ações afirmativas e políticas de inclusão são desnecessárias.
Beatrix von Storch (Alemanha)
Deputada do AfD e neta de um ex-ministro nazista, Beatrix von Storch é uma das figuras mais radicais da extrema direita alemã. Com forte ligação com grupos ultraconservadores cristãos, sua política é marcada pela defesa de restrições severas à imigração e pela negação das mudanças climáticas. Von Storch já causou polêmica ao sugerir que a polícia deveria atirar em refugiados que tentassem cruzar ilegalmente a fronteira alemã. Seu discurso, apesar de extremista, encontra eco em setores conservadores que veem a imigração como uma ameaça à cultura nacional.
Giorgia Meloni (Itália)
Primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni é a líder do partido Irmãos da Itália, uma sigla de raízes neofascistas. Seu lema, “Deus, pátria e família”, resume bem sua plataforma política, baseada no conservadorismo extremo, na defesa de valores cristãos tradicionais e no combate à imigração. Meloni se destaca por sua habilidade de combinar um discurso populista com uma imagem de “mulher forte e independente”. No entanto, ao mesmo tempo em que se apresenta como um exemplo de empoderamento feminino, rejeita políticas feministas e de igualdade de gênero, afirmando que as mulheres não precisam de leis para garantir seus direitos. Ela também tem investido em medidas que reforçam o papel tradicional da mulher como mãe e cuidadora, defendendo incentivos para a natalidade como forma de “proteger a identidade italiana”.
Keiko Fujimori (Peru)
Filha do ex-ditador Alberto Fujimori, Keiko Fujimori é a principal líder da extrema direita peruana. Três vezes candidata à presidência, Keiko representa o setor mais conservador do país, defendendo um governo forte e medidas de repressão contra movimentos sociais. Keiko tenta herdar o legado de seu pai, que governou o Peru nos anos 1990 com medidas autoritárias, incluindo perseguições políticas e corrupção generalizada. Sua trajetória política, no entanto, tem sido marcada por acusações de corrupção, que já a levaram à prisão preventiva.
María Fernanda Cabal (Colômbia)
Senadora colombiana e uma das principais lideranças da direita radical no país, María Fernanda Cabal é conhecida por sua retórica agressiva contra movimentos sociais e indígenas. Ligada ao ex-presidente Álvaro Uribe, Cabal defende um Estado forte, o aumento da repressão policial e a criminalização de protestos. Sua candidatura à presidência em 2026 representa a tentativa da direita colombiana de recuperar o poder, após a eleição de um governo de esquerda. Cabal é uma das principais vozes contra o Acordo de Paz com as FARC, defendendo a continuação da guerra contra grupos insurgentes.
Marine Le Pen (França)
Uma das figuras mais conhecidas da extrema direita global, Marine Le Pen lidera o partido Reunião Nacional (antigo Frente Nacional), fundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen, um político ultranacionalista com histórico de declarações antissemitas. Desde que assumiu a liderança do partido, Marine trabalhou para suavizar sua imagem, afastando-se da retórica abertamente neonazista de seu pai, mas sem alterar substancialmente suas políticas anti-imigração e eurocéticas. Le Pen se destaca por utilizar uma estratégia de “feminismo seletivo”, argumentando que o feminismo tradicional é “radical e destrutivo”, enquanto sua política de endurecimento da imigração seria a verdadeira forma de proteger as mulheres francesas, evitando, segundo ela, a “violência importada” por imigrantes muçulmanos. Essa retórica tem sido um trunfo eleitoral, pois permite que Le Pen atraia eleitoras conservadoras preocupadas com segurança pública e questões culturais.
Marjorie Taylor Greene (EUA)
Deputada republicana e uma das figuras mais polêmicas da extrema direita americana, Marjorie Taylor Greene se tornou uma das principais aliadas de Donald Trump no Congresso dos Estados Unidos. Conhecida por promover teorias da conspiração, como o negacionismo da pandemia e a ideia de que a eleição de 2020 foi roubada, Greene representa a ala mais radical do trumpismo. Greene se diferencia de outras líderes da extrema direita por seu estilo agressivo e beligerante. Ela defende abertamente o armamento da população, ataca políticas ambientais e promove um discurso de ódio contra imigrantes e a comunidade LGBTQIA+. Sua ascensão reflete a radicalização do Partido Republicano nos últimos anos, que tem incorporado elementos extremistas para consolidar sua base eleitoral.
Victoria Villarruel (Argentina)
Vice-presidente da Argentina, Victoria Villarruel é uma das figuras mais controversas da extrema direita sul-americana. Advogada e ativista, tornou-se conhecida por defender militares condenados por crimes contra a humanidade durante a ditadura argentina. Seu discurso minimiza as violações de direitos humanos cometidas pelo regime militar, enquanto ataca organizações de direitos humanos, acusando-as de serem parte de uma “agenda esquerdista”. Villarruel representa a ala mais autoritária do governo de Javier Milei e busca reescrever a história da Argentina, promovendo uma narrativa revisionista que equipara guerrilheiros de esquerda às forças repressivas do Estado.
O paradoxo das mulheres na extrema direita
A presença de mulheres na extrema direita levanta uma série de contradições que desafiam a lógica tradicional desse espectro político. Essas líderes ocupam posições de poder em movimentos que historicamente reforçam a submissão feminina, rejeitam a igualdade de gênero e promovem um modelo de sociedade no qual o papel da mulher está restrito à família e à maternidade. No entanto, elas mesmas fogem desse modelo ao atuarem ativamente na política e reivindicarem espaço em um campo que ainda é dominado por homens. Essa dualidade é central para entender seu papel dentro do ultraconservadorismo e como elas são instrumentalizadas para fortalecer um sistema que, no fundo, não lhes concede nenhum tipo de poder real.
Essas mulheres condenam o feminismo, mas suas trajetórias políticas seriam impossíveis sem as conquistas desse movimento. Marine Le Pen, Giorgia Meloni e Alice Weidel, por exemplo, ocupam cargos políticos e participam de eleições, algo que seria impensável sem as lutas históricas pelos direitos das mulheres. No entanto, ao invés de reconhecerem essa realidade, elas atacam o feminismo, afirmando que ele “vitimiza as mulheres” e que a ascensão feminina deve ocorrer exclusivamente pelo mérito individual. Além disso, ao ocuparem posições de destaque, essas mulheres passam a falsa impressão de que qualquer menina ou mulher pode alcançar os mesmos espaços sem precisar das lutas feministas. Seus discursos sugerem que o caminho ao poder está aberto a todas, quando, na realidade, suas trajetórias foram pavimentadas por redes masculinas dentro da extrema direita. Dessa forma, elas contribuem para deslegitimar políticas de igualdade de gênero, reforçando a ideia de que o sucesso feminino é apenas uma questão de esforço individual, ignorando as barreiras estruturais que ainda limitam o acesso das mulheres ao poder.
Outro aspecto contraditório é o fato de que muitas dessas mulheres defendem um modelo de família tradicional, mas não se encaixam nele. Alice Weidel, por exemplo, vive um relacionamento com uma mulher estrangeira, mas lidera um partido que se opõe a políticas pró-direitos LGBTQIA+ e promove uma visão rígida da família como uma instituição heteronormativa. Giorgia Meloni, que teve uma filha fora do casamento, reforça a ideia de que a maternidade deve ser o papel central da mulher, mesmo que sua própria trajetória política a afaste desse modelo tradicional. Marine Le Pen, divorciada duas vezes, insiste na defesa da família tradicional como um pilar da sociedade, embora sua vida pessoal demonstre que ela mesma não segue o que prega. Essas inconsistências mostram que, enquanto a extrema direita exige que as mulheres comuns se conformem a papéis tradicionais, suas líderes têm liberdade para romper com esses padrões sem perder legitimidade dentro do movimento.
Além disso, muitas dessas figuras femininas da extrema direita utilizam um discurso “pró-mulher”, mas apenas quando isso serve à sua agenda política. Marine Le Pen e Beatrix von Storch, por exemplo, justificam suas políticas anti-imigração alegando que querem proteger as mulheres europeias da “violência importada” por imigrantes muçulmanos. No entanto, rejeitam políticas de combate à violência doméstica, que beneficiariam mulheres francesas e alemãs vítimas de agressões cometidas por seus próprios compatriotas. Victoria Villarruel, na Argentina, diz defender a liberdade feminina, mas apoia a revogação de leis que garantem o direito ao aborto e a proteção contra abusos. Essa estratégia seletiva usa a pauta feminina apenas quando conveniente, enquanto mina direitos fundamentais conquistados pelas mulheres ao longo do tempo.
Outro ponto central é que essas líderes rejeitam cotas e políticas de inclusão, afirmando que chegaram ao poder “por mérito próprio”, mas, na realidade, quase todas elas foram impulsionadas por “redes de apoio masculinas” dentro de seus movimentos. Marine Le Pen herdou o partido de seu pai, Jean-Marie Le Pen, e apenas remodelou sua imagem para torná-lo mais aceitável ao eleitorado. Keiko Fujimori construiu sua carreira política com base no legado do pai, o ex-ditador Alberto Fujimori, explorando o nome da família para se manter no cenário eleitoral do Peru. Victoria Villarruel ascendeu dentro de um movimento político fortemente ligado aos militares e aliados da ditadura argentina. Apesar de se apresentarem como símbolos de força e independência, suas trajetórias mostram que seu espaço dentro da extrema direita foi conquistado com o aval e o suporte de homens bastante poderosos, algo que entra em contradição com o discurso de que as mulheres não precisam de políticas afirmativas para chegarem ao poder.
Além disso, muitas dessas mulheres falam em liberdade, mas defendem regimes autoritários ou políticas repressivas. Victoria Villarruel defende os militares que torturaram e assassinaram opositores políticos durante a ditadura argentina, enquanto Keiko Fujimori tenta reabilitar a imagem de seu pai, que fechou o Congresso peruano e perseguiu seus opositores. Marjorie Taylor Greene, nos Estados Unidos, apoia medidas autoritárias promovidas por Donald Trump, incluindo o uso da força contra manifestantes e a criminalização de seus opositores políticos. Essas líderes falam em liberdade apenas quando isso beneficia seus aliados ideológicos, mas quando se trata da oposição, não hesitam em defender medidas repressivas.
Até quando? A fragilidade da liderança feminina na extrema direita
Olhando para o quadro geral, fica claro que essas mulheres desempenham um papel estratégico dentro da extrema direita, mas sem desafiar as bases patriarcais do movimento. Sua ascensão não representa um avanço para as mulheres como um todo, mas sim uma adaptação da extrema direita para ampliar seu alcance e ganhar legitimidade. Elas são utilizadas para atrair eleitoras, suavizar a imagem do autoritarismo e enfraquecer o feminismo, mas dentro de limites bem estabelecidos. Enquanto forem úteis ao projeto ultraconservador, terão espaço. Mas se desafiarem a autoridade masculina ou questionarem o papel tradicional da mulher, podem ser rapidamente descartadas. A extrema direita precisa dessas mulheres, mas não lhes dá poder absoluto.
A questão que fica é: até quando essas mulheres conseguirão equilibrar essa contradição sem que o machismo estrutural da extrema direita as engula?
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